miércoles, 28 de septiembre de 2016

Claudio Willer: Roberto Piva, índios e a poética da transgressão

Una nueva colaboración de Claudio Willer: un texto sobre la poética de Roberto Piva -de quien se publicaron algunos poemas en este mismo espacio hace pocos días-.

Quem se lembra do escândalo de 1992 protagonizado por um índio, o líder caiapó Paulino Paiakan? Estuprou uma estudante de enfermagem dentro de um jipe; como se não bastasse, assistido por sua mulher. Provocou consternação geral. Repercussão não podia ter sido pior, ainda mais coincidindo com a Eco 92, a grande conferência ambientalista que teve lugar no Brasil.

Piva imediatamente escreveu um poema em favor de Paiakan. Foi publicado logo a seguir em um fanzine e três anos depois na revista Azougue. Transcrevo:

Paulinho Paiakan
A hora do lobo está próxima
garotos entregam-se ao Pesadelo
Reis elementais do Sul dançam na névoa
Laroiê Exu criador de todas
as coisas selvagens & livres
Fogo sagrado de Exu queima
a paisagem humanista
A grande roda solar girou novamente
Com você, Paiakan, o índio deixou de
ser platônico
Nesta época de ovelhas
A ave de rapina aguarda no deserto
Os belos matizes da Violência
Monte Alegre do Sul, 1992

Reclamei por ele não haver acrescentado esse poema a Estranhos sinais de Saturno, volume 3 de Obras Reunidas (Globo livros, 2008). Foi uma das minhas reclamações. Era idiossincrático com relação ao que escrevia e incorporou poucos inéditos e dispersos àquela edição. Deixou de fora um livro inteiro, o agressivamente pederástico Corações de Hot-dog, agora felizmente achado e divulgado, e um poema do calibre de “O hino do futuro é paradisíaco”, que acabei postando em meu blog – em http://claudiowiller.wordpress.com/2013/09/29/ineditos-de-piva-o-ultimo-da-serie/.
Felizmente, o poema dedicado a Paiakan reapareceu na antologia que complementa Os dentes da memória: Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e uma trajetória paulista de poesia, de Camila Hungria e Renata D’Elia (Azougue editorial, 2011).
Motivos para querê-lo de volta: em primeira instância, a qualidade. É conciso. Há um tratado de antropologia, ou, ao menos, um substancioso ensaio contido em suas poucas linhas. Mostra, mais uma vez, a capacidade de transmitir mensagens sem tornar-se discursivo; sem doutrinar ou precisar dar explicações. Dizia sugerindo, nas entrelinhas, no implícito das imagens poéticas.
E, é claro, pelo ataque ao politicamente correto. Sim, é preciso defender o índio, as culturas arcaicas – pela diversidade e pluralidade, pelo conhecimento que detém, pela riqueza simbólica, por terem sido e continuarem sendo esbulhados e perseguidos, porque o Brasil tem uma legislação a respeito que merece ser posta em prática. Mas em sua integridade, tal como são. Não como projeção de uma ideologia e escala de valores nossos. Uma tribo não é uma comunidade eclesial de base. Índios tampouco são a realização de um ideal iluminista. O regime de sociedades tribais não é comunismo primitivo. Quando estive no Xingu – faz tempo – conversei bastante com o então chefe dos Ulapiti, Kanato, pai de Aritana, então recolhido ao ritual de passagem. Ao expor motivos pelos quais podia ter três mulheres – por ser forte o suficiente para sustentá-las – e comentar o que aconteceria com outro índio que ousasse falar com alguma das esposas, batia com o punho fechado no peito; ressoava como um tambor. Sobre a conduta de Paiakan, podem argumentar que seu procedimento foi aquele de um aculturado; sobre os argumentos de Kanato, não – era genuínos, representavam sua cultura.
Houve visita dos Calapalo aos Ulapiti. Perguntei ao intérprete: “Fawcett?” – imediatamente me apresentou o velhinho sorridente que teria desferido o golpe fatal de borduna no infortunado e maníaco explorador inglês que, em busca do Eldorado e da passagem para o centro da Terra, tentara forçá-los a descer o Xingu e entrar em território dos Suiá ou Juruna, inimigos. Verdade? Provavelmente.
Outro interlocutor, Tacumã, simultaneamente chefe e pajé dos Kamaiurá, ou seja, um xamã – gentilíssimo, enquanto percorríamos a trilha do posto à aldeia respondeu-me sobre feitiçaria, como liquidar um desafeto usando aparas de unhas e cabelos. Deu-me aula, também, de como enxergar e ler a floresta.
Pena a ameaça de gripe ter-me obrigado a abreviar a estada, fiquei só dez dias no Parque do Xingu. Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo do Museu Nacional, é alguém que entende de índios. Leiam seu ensaio sobre categorias na língua dos Kamaiurá, mostrando como se situam no mesmo grupo que piranhas e gaviões, por serem predadores. Animal totêmico, quando estive lá, uma gigantesca águia confinada em uma gaiola de troncos.
Tudo isso, e mais, condensado no poema de Piva – por exemplo, aws concepções de tempo, circular e solar em culturas tradicionais.
Transgressão: depois dessa categoria haver ganho peso através de Georges Bataille, acabou, evidentemente ao arrepio de seu ensinamento, transformada em critério de valor. Coisa de jornalistas de cadernos de variedades. Habituaram-se a chamar de “transgressivo” algo que lhes agrada ou aparenta novidade. Muito acertada a reação negativa de críticos ao título Os transgressores, dado a uma antologia de contemporâneos brasileiros – um dos exemplos de uso superficial e abusivo do legado de Bataille.
Conheci Piva em 1960. Leitor voraz, entusiástico, estava a ler todo o Nietzsche. Um de seus títulos e temas prediletos, Além do bem e do mal. Dialética, também conhecia, participara de um grupo de estudos de Hegel. Sempre soube que Dionísio pode ser criador e destruidor, dar vida e morte. Assim como Hermes e o Exu celebrado no poema aqui transcrito, em companhia de Xangô. Ambivalência, qualidade literária e atributo da realidade, como ele sabia e resumiu, no final de 20 poemas com brócoli: “a poesia age às vezes como montanha-russa”. Nesse livro, antecipando a celebração da natureza e do mundo mítico em Ciclones, outro poema-manifesto pela saída da metrópole e da civilização:
abandonar tudo. conhecer praias. amores novos.
poesia em cascatas florindo como aranhas
azuladas nas samambaias.
todo trabalhador é escravo. toda autoridade
é cômica. fazer da anarquia um
método & modo de vida. estradas.
bocas perfumadas. cervejas tomadas
nos acampamentos. Sonhar Alto.



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