Una nueva colaboración de Claudio Willer: un texto sobre la poética de Roberto Piva -de quien se publicaron algunos poemas en este mismo espacio hace pocos días-.
Quem
se lembra do escândalo de 1992 protagonizado por um índio, o líder caiapó
Paulino Paiakan? Estuprou uma estudante de enfermagem dentro de um jipe; como
se não bastasse, assistido por sua mulher. Provocou consternação geral.
Repercussão não podia ter sido pior, ainda mais coincidindo com a Eco 92, a
grande conferência ambientalista que teve lugar no Brasil.
Piva
imediatamente escreveu um poema em favor de Paiakan. Foi publicado logo a seguir
em um fanzine e três anos depois na revista Azougue. Transcrevo:
Paulinho Paiakan
A hora
do lobo está próxima
garotos
entregam-se ao Pesadelo
Reis
elementais do Sul dançam na névoa
Laroiê
Exu criador de todas
as
coisas selvagens & livres
Fogo
sagrado de Exu queima
a
paisagem humanista
A
grande roda solar girou novamente
Com
você, Paiakan, o índio deixou de
ser
platônico
Nesta
época de ovelhas
A ave
de rapina aguarda no deserto
Os
belos matizes da Violência
Monte Alegre do Sul, 1992
Reclamei
por ele não haver acrescentado esse poema a Estranhos
sinais de Saturno, volume 3 de Obras
Reunidas (Globo livros, 2008). Foi uma das minhas reclamações. Era
idiossincrático com relação ao que escrevia e incorporou poucos inéditos e
dispersos àquela edição. Deixou de fora um livro inteiro, o agressivamente
pederástico Corações de Hot-dog,
agora felizmente achado e divulgado, e um poema do calibre de “O hino do futuro
é paradisíaco”, que acabei postando em meu blog – em http://claudiowiller.wordpress.com/2013/09/29/ineditos-de-piva-o-ultimo-da-serie/.
Felizmente,
o poema dedicado a Paiakan reapareceu na antologia que complementa Os dentes da memória: Piva, Willer,
Franceschi, Bicelli e uma trajetória paulista de poesia, de Camila Hungria
e Renata D’Elia (Azougue editorial, 2011).
Motivos
para querê-lo de volta: em primeira instância, a qualidade. É conciso. Há um
tratado de antropologia, ou, ao menos, um substancioso ensaio contido em suas
poucas linhas. Mostra, mais uma vez, a capacidade de transmitir mensagens sem
tornar-se discursivo; sem doutrinar ou precisar dar explicações. Dizia
sugerindo, nas entrelinhas, no implícito das imagens poéticas.
E,
é claro, pelo ataque ao politicamente correto. Sim, é preciso defender o índio,
as culturas arcaicas – pela diversidade e pluralidade, pelo conhecimento que
detém, pela riqueza simbólica, por terem sido e continuarem sendo esbulhados e
perseguidos, porque o Brasil tem uma legislação a respeito que merece ser posta
em prática. Mas em sua integridade, tal como são. Não como projeção de uma
ideologia e escala de valores nossos. Uma tribo não é uma comunidade eclesial
de base. Índios tampouco são a realização de um ideal iluminista. O regime de
sociedades tribais não é comunismo primitivo. Quando estive no Xingu – faz
tempo – conversei bastante com o então chefe dos Ulapiti, Kanato, pai de Aritana,
então recolhido ao ritual de passagem. Ao expor motivos pelos quais podia ter
três mulheres – por ser forte o suficiente para sustentá-las – e comentar o que
aconteceria com outro índio que ousasse falar com alguma das esposas, batia com
o punho fechado no peito; ressoava como um tambor. Sobre a conduta de Paiakan,
podem argumentar que seu procedimento foi aquele de um aculturado; sobre os
argumentos de Kanato, não – era genuínos, representavam sua cultura.
Houve
visita dos Calapalo aos Ulapiti. Perguntei ao intérprete: “Fawcett?” – imediatamente
me apresentou o velhinho sorridente que teria desferido o golpe fatal de
borduna no infortunado e maníaco explorador inglês que, em busca do Eldorado e
da passagem para o centro da Terra, tentara forçá-los a descer o Xingu e entrar
em território dos Suiá ou Juruna, inimigos. Verdade? Provavelmente.
Outro
interlocutor, Tacumã, simultaneamente chefe e pajé dos Kamaiurá, ou seja, um xamã
– gentilíssimo, enquanto percorríamos a trilha do posto à aldeia respondeu-me
sobre feitiçaria, como liquidar um desafeto usando aparas de unhas e cabelos. Deu-me
aula, também, de como enxergar e ler a floresta.
Pena
a ameaça de gripe ter-me obrigado a abreviar a estada, fiquei só dez dias no
Parque do Xingu. Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo do Museu Nacional, é
alguém que entende de índios. Leiam seu ensaio sobre categorias na língua dos Kamaiurá,
mostrando como se situam no mesmo grupo que piranhas e gaviões, por serem
predadores. Animal totêmico, quando estive lá, uma gigantesca águia confinada em
uma gaiola de troncos.
Tudo
isso, e mais, condensado no poema de Piva – por exemplo, aws concepções de
tempo, circular e solar em culturas tradicionais.
Transgressão:
depois dessa categoria haver ganho peso através de Georges Bataille, acabou,
evidentemente ao arrepio de seu ensinamento, transformada em critério de valor.
Coisa de jornalistas de cadernos de variedades. Habituaram-se a chamar de
“transgressivo” algo que lhes agrada ou aparenta novidade. Muito acertada a
reação negativa de críticos ao título Os
transgressores, dado a uma antologia de contemporâneos brasileiros – um dos
exemplos de uso superficial e abusivo do legado de Bataille.
Conheci
Piva em 1960. Leitor voraz, entusiástico, estava a ler todo o Nietzsche. Um de
seus títulos e temas prediletos, Além do
bem e do mal. Dialética, também conhecia, participara de um grupo de
estudos de Hegel. Sempre soube que Dionísio pode ser criador e destruidor, dar
vida e morte. Assim como Hermes e o Exu celebrado no poema aqui transcrito, em
companhia de Xangô. Ambivalência, qualidade literária e atributo da realidade, como ele sabia e resumiu, no final de 20 poemas com brócoli: “a poesia age às vezes como montanha-russa”.
Nesse livro, antecipando a celebração da natureza e do mundo mítico em
Ciclones, outro poema-manifesto pela saída da
metrópole e da civilização:
abandonar
tudo. conhecer praias. amores novos.
poesia
em cascatas florindo como aranhas
azuladas
nas samambaias.
todo
trabalhador é escravo. toda autoridade
é
cômica. fazer da anarquia um
método
& modo de vida. estradas.
bocas
perfumadas. cervejas tomadas
nos acampamentos. Sonhar Alto.
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